Mercado da habitação precisava de ter uma terapia de choque David Carreira, Country Manager da Thomas & Piron Portugal, fala ao idealista/news sobre o projeto Clarissas, direcionado para a classe média 22 jul 2025 min de leitura Está a nascer às portas de Lisboa, em Sacavém, um megaprojeto imobiliário que terá cerca de 700 casas dirigidas para a classe média. Falamos do Clarissas, que sai do papel pela mão da promotora imobiliária belga Thomas & Piron (T&P), sendo este o quarto projeto que está a desenvolver em Portugal – dois foram em parceria com a também belga Promiris. “Se as coisas correrem normalmente, como têm corrido, lá para o final do ano estaremos em condições de começar a fazer a obra propriamente dita, se bem que já começámos a fazer: já estão em curso, desde julho de 2024, as obras da Praça da República”, revela David Carreira, Country Manager da T&P Portugal, em entrevista ao idealista/news, realizada no local onde será construído o empreendimento. Além de Portugal, a T&P está presente na Bélgica, Luxemburgo, França, Suíça e Marrocos. E em todos os países o foco é a classe média, pelo que não é de estranhar que a aposta a nível nacional passe também por esse segmento de mercado, nomeadamente numa altura em que os vários players do setor exigem a construção de mais casas, para dar resposta à enorme procura das famílias. “95% dos 1.500 fogos que fazemos anualmente são dirigidos à classe média e, portanto, sendo esse o nosso ‘core business’, sendo aquilo que Portugal estava a precisar, decidimos investir no Clarissas”, adianta David Carreira. E em jeito de desabafo deixa um aviso: “O mercado da habitação em Portugal precisava de ter uma terapia de choque”. David Carreira, Country Manager da Thomas & Piron PortugalCréditos: Gonçalo Lopes | idealista/news Conte-nos um pouco a história do projeto Clarissas, que vai nascer aqui onde nos encontramos, neste terreno em Sacavém (Loures), às portas de Lisboa? O projeto foi adquirido pela T&P em setembro de 2022, está quase a fazer três anos, ao Banco Montepio, que o herdou de uma falência. Temos um pedido de alvará de loteamento entregue na Câmara Municipal [de Loures], no final de 2024, e estamos a aguardar que venha o deferimento do Estudo de Impacto Ambiental, que entregámos em fevereiro. Se as coisas correrem normalmente, como têm corrido, lá para o final do ano estaremos em condições de começar a fazer a obra propriamente dita, se bem que já começámos a fazer: já estão em curso, desde julho de 2024, as obras da Praça da República, faz parte de contrapartidas que o promotor tem de dar à autarquia, foi uma exigência da câmara que as contrapartidas fossem dadas antes de qualquer obra dentro do loteamento. O Clarissas vai nascer num antigo quartel militar e num antigo convento. Que edifício é este? O edifício onde estamos a fazer esta entrevista é o antigo Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição dos Milagres. Data do século XVI e na última década esteve abandonado. E nas últimas oito décadas antecedentes foi ocupado pelos militares, portanto, era um quartel militar. A ideia é recuperá-lo e instalar um equipamento privado, não sabemos ainda bem o quê, estamos em conversações, mas a ideia é reabilitá-lo e dar-lhe um uso que possa servir a população. Estamos a falar de um investimento, neste projeto, de cerca de 300 milhões de euros. Quanto é que custou à T&P o terreno? O terreno em si foram 22 milhões de euros, mas mais o IMT que tem de se pagar, as due diligence etc., o investimento já ronda os 30, 35 milhões. A estimativa do investimento global é entre 300 e 310 milhões de euros. Vista aérea daquele que será o projeto Clarissas, em SacavémCréditos: Thomas & Piron Quantas casas terá o Clarissas e de que tipologias? São 310 milhões de euros para investir em cerca de 700 fogos. Sempre quisemos chegar ao máximo que o loteamento permite, 760 fogos, mas vamos ficar entre 700 e 720. As tipologias serão de T1 a T4, com T3 e T4 duplex, e haverá cerca de 9.000 metros quadrados (m2) de comércio, com um supermercado de proximidade e também comércio local tradicional. Depois, junto à Praça da República, vamos ter um edifício só de serviços, à partida escritórios, com um parque de estacionamento que servirá não só a população como o espaço que vier a ser o equipamento do convento, e os próprios utentes do Clarissas. O Clarissas é o quarto projeto da T&P no país, tendo dois em parceria com a Promiris. É o mais direcionado para a classe média, certo? Este foi o quarto projeto que adquirimos, os dois primeiros foi em parceria com a Promiris, o Conde de Lima, no centro de Lisboa, e o Gaia Hills, em Vila Nova de Gaia. Depois adquirimos um mais pequenino, o Docks Matosinhos, que está precisamente em frente às docas de Matosinhos. São 31 apartamentos, estão comercializados e a obra está em curso. Mas a dada altura percebemos que aquilo que estava a fazer falta a Portugal era habitação para a classe média, sendo esse o ‘core business’ da T&P lá fora, porque 95% dos 1.500 fogos que fazemos anualmente são dirigidos à classe média e, portanto, sendo esse o nosso 'core business', sendo aquilo que Portugal estava a precisar, decidimos investir no Clarissas. E sim, são cerca de 700 fogos dirigidos à classe média. Agora é preciso saber onde é que se vai situar a classe média daqui a um ano, quando iniciarmos as vendas e a comercialização. "(...) A dada altura percebemos que aquilo que estava a fazer falta a Portugal era habitação para a classe média, sendo esse o ‘core business’ da T&P lá fora, porque 95% dos 1.500 fogos que fazemos anualmente são dirigidos à classe média, (...) e decidimos investir no Clarissas" Disse que as obras do projeto em si podem arrancar ainda este ano. Mas este é um projeto a longo prazo… Desde a aquisição até ao final da construção total são entre 11 a 12 anos, é o que está no nosso ‘business plan’, é o que temos em cima da mesa hoje: iniciar obras de construção de loteamento e edifícios em 2026, iniciar a comercialização em 2026 e depois, nos oito anos seguintes, levar ao término a construção dos quase 94.000 m2. Agora, isto tudo vai depender do ritmo de vendas. Se o ritmo de vendas permitir acelerar o ritmo de construção e de finalização, se calhar, em vez de oito anos demoramos seis. Para nós seria ótimo. Quanto mais depressa acabarmos este, mais depressa nos concentramos noutros projetos. Assim será o Clarissas, em SacavémCréditos: Thomas & Piron Relativamente aos outros três projetos da empresa, o Conde de Lima, o Gaia Hills e o Docks Matosinhos, qual é o ponto da situação? O primeiro foi o Conde Lima. Foi dirigido à classe média-alta no centro de Lisboa, são 41 apartamentos e estão vendidos, está entregue. Estamos neste momento em fase de serviço pós-venda. Sobre o Gaia Hills, vamos começar a segunda fase de construção entre julho e setembro. Temos cerca de 84% vendido da primeira fase e quase 50% vendido da segunda. Está em construção, prevê-se que a primeira fase fique finalizada no primeiro trimestre de 2027 e a segunda no primeiro trimestre de 2028. O Gaia Hills é um bom exemplo daquilo que poderá acontecer no Clarissas, porque aquilo que sempre pensámos foi que é um projeto que quando estivesse acabada a primeira fase começávamos a segunda, ou seja, aquilo que estava pensado era começarmos a construir a segunda fase em 2027, mas já arrancou, tal foi o sucesso de vendas da primeira fase. Isto é o que pode vir a acontecer no Clarissas, esperemos que assim seja. O Docks Matosinhos está em construção. São 31 apartamentos, é mais pequeno e está previsto estar concluído no final do próximo ano. São, até à data, cerca de 450 milhões de euros de investimento nestes quatro projetos… Sim, se bem que há aqui uma parte que é dividida a meias, entre nós e a Promiris, mas a parte da T&P são cerca de 350, 360 milhões de euros. Voltando ao Clarissas. Considera que é um dos grandes projetos imobiliários residenciais a nascer em Lisboa? O Clarissas é um grande projeto residencial. Aliás, neste momento, não correndo grandes riscos de o dizer, é o maior projeto residencial da T&P ao nível do grupo. São cerca de 94.000 m2 de construção. Dentro da Área Metropolitana de Lisboa é um grande projeto, não é o único, mas sobretudo é um projeto que procura requalificar uma área que estava vedada à população há cerca de sete, oito anos. Era um quartel militar, e como qualquer quartel militar está vedado fisicamente à população. Vamos devolver à população aquilo que eram dez hectares que estavam vedados. Não somos nem melhores nem piores que os outros [promotores imobiliários], este foi o território que escolhemos, outros terão escolhido outros. Clarissas é o quarto projeto da Thomas & Piron em PortugalCréditos: Thomas & Piron E sobre o futuro, o que pode desvendar de outros projetos que possam estar na calha, de novos investimentos? A T&P está em Portugal para ficar, não viemos só fazer um ‘one shot’ e ir embora. A prova disso é este projeto que temos para 12 anos de desenvolvimento. Neste momento, estamos concentrados naquilo que é o Clarissas e em pô-lo a andar em velocidade de cruzeiro. Estamos recetivos e a olhar para outros projetos, não vou dizer onde, mas é essencialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Lisboa fugindo da cidade central, mais os concelhos limítrofes, e Porto, Gaia e Matosinhos são áreas que continuam a ser do nosso interesse. Dizer se vamos concretizar algum negócio este ano… não sei! Há muitos terrenos e quiçá antigos quarteis (como no caso do Clarissas) em Lisboa que podem ser transformados em grandes empreendimentos residenciais? Espaços como o Clarissas na Área Metropolitana de Lisboa diria que existem. Só aqui no concelho de Loures conhecemos mais dois que poderiam ser interessantes. O concelho de Oeiras tem também dois ou três. Agora, é preciso calma, ter os pés bem assentes no chão. Neste momento, é cimentar o projeto Clarissas, pôr o projeto a andar em velocidade de cruzeiro e provar que aquilo que pusemos no papel, numa folha de Excel, bate certo. Fazendo isso, é depois convencer a administração a continuar a apostar em Portugal, que está perfeitamente convencida e ciente de que é um mercado para continuar a apostar. "Neste momento, [o objetivo da T&P] é cimentar o projeto Clarissas, pôr o projeto a andar em velocidade de cruzeiro e provar que aquilo que pusemos no papel, numa folha de Excel, bate certo. Fazendo isso, é depois convencer a administração a continuar a apostar em Portugal, que está perfeitamente convencida e ciente de que é um mercado para continuar a apostar" A T&P está presente em seis países: Bélgica, Luxemburgo, França, Suíça, Portugal e Marrocos. O país continua a ser visto como um destino atrativo para investir no setor imobiliário, sendo que é cuicial aumentar a oferta de casas? Tal como dizia o engenheiro Fernando Santo [antigo Bastonário da Ordem dos Engenheiros], estamos a construir o mesmo número de habitações que construímos por altura do pós-25 de Abril, são cerca de 25.000, 30.000 fogos por ano. No início dos anos 2000 construímos 125.000 fogos e depois, durante dez anos, não se construiu nada. Portanto, há muita falta de habitação em Portugal. Há espaço para mais. Agora é preciso, se calhar, começar a agilizar alguns processos para que as coisas se desenvolvam e fluam melhor. Sobre o Simplex Urbanístico [voltará a ter mudanças], qual é a sua visão? Sou um pouco crítico em relação ao Simplex. Trouxe algumas coisas boas, mas foram menos que as positivas. É importante simplificar, mas o Simplex quis simplificar demasiado, quis ir longe demais. Sobretudo, é preciso criar regras que sejam claras de norte a sul do país: termos 308 municípios em que cada um tem as suas regras, os seus regulamentos, não facilita as coisas. É essa simplificação que precisávamos. Querer tirar responsabilidade às câmaras municipais por via do Simplex e entregá-la toda aos promotores e projetistas não é a solução. Um dos edifícios do empreendimento Clarissas, em SacavémCréditos: Thomas & Piron Qual seria, então, a solução? Não há uma solução ótima, mas há várias que são um exemplo lá fora e que podem ser postas em prática. Uma das coisas que diria é: cada território tem a sua particularidade e deve ser tratado tendo em conta as suas especificidades, mas se por norma a base for idêntica em todos os concelhos, começa por ser um princípio. Depois, mudar um pouco as regras daquilo que é o financiamento das operações, não só do lado do promotor, mas do lado do comprador final. Se adotarmos, por exemplo, um sistema como tem a Bélgica, o Luxemburgo e mesmo a França… quem compra em planta tem uma melhor segurança que a que há em Portugal, sendo o financiamento feito através da banca. Ou seja, pegando no que está a acontecer nos nossos projetos, em que colocámos um à venda há um mês e está 50% vendido. Se esses 50% de compradores forem os adquirentes finais e se a banca financiar esses adquirentes para nos irem pagando à medida que a construção vai avançando, ficaria mais barato para toda a gente, para nós e para o adquirente final, porque se constrói mais rapidamente. E se nós poupamos dinheiro, o adquirente final também. Agora é preciso mudar o paradigma de hoje, em que a banca diz: vocês [promotores], para serem financiados, para abrirmos crédito a construção, têm de ter 30% de pré-vendas. Para nós termos essas pré-vendas temos de ir buscar investidores, porque a classe média comprar em planta está complicado. Esse paradigma tem de ser mudado. Considera que a redução do IVA na construção para 6% ajudaria a aumentar a oferta de casas no mercado, como defendem alguns players do setor? Era importante baixar o IVA, como é óbvio. Quem está no setor sabe disto, mas não sei se a maioria dos portugueses sabe: entre 35% a 40% do custo de uma habitação vai para o Estado. E a grande fatia é o IVA, 23%. Em tudo aquilo que se gasta para construir uma habitação o IVA é aplicado, tirando as taxas camarárias. Mas em tudo o resto o IVA é aplicado à taxa de 23%, tirando quando estamos em zonas de reabilitação urbana, como é o caso do Clarissas, em que a taxa do IVA na construção é de 6%. Portanto, se o IVA baixar de 23% para 6% é uma ajuda, como é óbvio. Agora, será que isso por si só vai fazer com que o preço da habitação baixe? Diria que não vai baixar na mesma proporção. Se baixar o IVA 17%, o preço final não vai baixar 17%, é capaz de baixar 10%, 12%. Há outro tema importante: não temos capacidade instalada para construir tudo aquilo que o país precisa. Estou a falar de obras públicas, de habitação etc. Mas, se calhar, baixar o IVA da construção para 6% vai fazer com que, por via do custo da construção, os preços consigam estabilizar. Não vão forçosamente baixar, mas pode ser que deixem de subir. Empreendimento Gaia HillsCréditos: Thomas & Piron A T&P está atenta ao mercado de Build to Rent (BtR) ou o foco está sobretudo no Buil to Sell (BtS)? O Clarissas é claramente um projeto BtS, é construir para vender. Poderá aparecer um ou outro investidor a querer comprar apartamentos para os colocar no mercado de arrendamento, e é óbvio que não vamos fechar a porta a esse tipo de investidores e de mercado, mas na essência o projeto está pensado para BtS. A T&P lá fora [nos outros cinco países onde opera] é promotor, construtor, vendedor… estamos nas vertentes todas do negócio. Em Portugal, somos essencialmente promotores imobiliários, e o BtR não é o nosso ‘core business’. Há mais portugueses ou estrangeiros a comprar as casas e/ou projetos que a T&P promove e desenvolve? O Conde de Lima foi 80% vendido a estrangeiros, o Gaia Hills está com uma fatia de cerca de 60%/65% de portugueses e o Docks Matosinhos, dos 31 apartamentos, 90% são portugueses. Sobre a perspetiva de que se está a construir muito para estrangeiros… nos nossos projetos não tem sido esse o caso, tirando o Conde de Lima, que era para a classe média-alta, com outro preço. Como será possível aumentar a oferta de casas no país e que papel tem o Governo? O mercado da habitação em Portugal precisava de ter uma terapia de choque. Uma terapia de choque, faço-me entender, que juntasse à mesa todos os setores que estão envolvidos no desenvolvimento, na promoção imobiliária, na construção, nos materiais de construção, as associações do setor. Sentar toda a gente à volta de uma mesa e que toda a gente viesse limpa de espírito, portanto, com ideologias à parte, a dizer vamos trabalhar em conjunto para resolver o problema. Só assim conseguiremos. Medidas avulso, à esquerda e à direita, funcionam, mas durante muito pouco tempo. "O mercado da habitação em Portugal precisava de ter uma terapia de choque. Uma terapia de choque, faço-me entender, que juntasse à mesa todos os setores que estão envolvidos no desenvolvimento, na promoção imobiliária, na construção, nos materiais de construção, as associações do setor" Quando digo terapia de choque dá a entender que é quebrar com tudo o que está para trás e arrancar de novo. O ideal seria isso. Não sendo possível, as coisas devem ser escalonadas atempadamente, deve discutir-se, falar-se, abrir o diálogo franco à sociedade, perguntar à sociedade o que acha, aos promotores o que acham, como se deve fazer, ir buscar as boas soluções que se fazem lá fora. Só assim conseguiremos ir a algum lado. Fonte:"Mercado da habitação precisava de ter uma terapia de choque" — idealista/news Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado