“Em 21 anos muita coisa mudou na mediação imobiliária”, assegura Miguel Ribeiro, fundador da Predimed, que nasceu em 2004. E o mercado também é diferente: “Na altura estávamos num momento de estagnação de preços e de muito equilíbrio entre oferta e procura. (…) Hoje vivemos num mercado onde há uma enorme pressão do lado da procura e onde a oferta não acompanha, razão pela qual temos uma constante subida de preços. O investimento estrangeiro é muito maior e geograficamente muito mais transversal”, explica o especialista ao idealista/news, salientando que a atividade dos consultores imobiliários “é fortemente centrada nas pessoas e nas suas emoções”. “Nenhuma máquina conseguirá jamais interpretar os sonhos, os desejos de uma pessoa, jamais criará os laços que criamos com clientes”, alerta.

Entre os vários assuntos abordados por Miguel Ribeiro na entrevista, além do impacto da Inteligência Artificial (IA) no setor da mediação imobiliária e na atividade dos profissionais do setor, está também a necessidade, há muito identificada, de dinamizar o mercado de arrendamento. “A inexistência de um verdadeiro mercado de arrendamento empurra toda a gente para a aquisição [de casa] e isso causa um grande desequilíbrio no mercado”, avisa, lamentando o facto deste mercado estar a perder “importância de dia para dia”.

Quando questionado sobre o que poderá fazer o novo Governo para dar resposta à crise na habitação – ou, para muitos, crise de acesso a habitação –, de forma a aumentar a oferta de casas no mercado, para venda ou arrendamento, o fundador da Predimed responde de forma cara: “Medidas avulsas nunca dão grandes resultados. Ou se olha para a coisa de forma global ou dar uns pontos no IVA aqui para depois ir buscar noutros impostos ali não dá em nada. As medidas segmentadas como o apoio para a aquisição da primeira casa [isenção de IMT e Imposto de Selo e garantia pública no crédito habitação] não deveriam ser apenas para os jovens, mas para todos na medida em que o direito à habitação, na consagração que a constituição lhe dá, não é só para jovens nem para os menos jovens, é para todos (…)”.

Casas à venda em Porto Covo
Moradia em Porto Covo comercializada pela Predimedidealista

A Predimed nasceu em 2004 e muita coisa mudou desde então, nomeadamente na mediação imobiliária. Como define atualmente a empresa e que análise faz do setor face ao período em que começou?

Em 21 anos muita coisa mudou. A forma de trabalhar incorpora hoje muito mais tecnologia que em 2004, mas no essencial não mudou: continua a ser um negócio de servir pessoas, identificar as melhores soluções para os clientes e, acima de tudo, estar ao lado deles do início ao fim do processo de compra, venda ou arrendamento de um imóvel. O mercado hoje também é diferente daquele que tínhamos em 2004. Na altura estávamos num momento de estagnação de preços e de muito equilíbrio entre oferta e procura. À exceção do Algarve não existia quase procura de estrangeiros. Hoje vivemos num mercado onde há uma enorme pressão do lado da procura e onde a oferta não acompanha, razão pela qual temos uma constante subida de preços. O investimento estrangeiro é muito maior e geograficamente muito mais transversal.

"O setor está mais consolidado que há 21 anos, mais profissionalizado e mais competitivo. Bem sei que por vezes somos nós próprios a falar mal do setor, mas numa análise fria e justa estamos todos muito melhores do que estávamos em 2004"

Quanto à marca, se há 21 anos éramos uma pequena marca a abrir a primeira agência nos arredores de Lisboa, num modelo de imobiliária "tradicional", hoje somos uma marca consolidada, com presença em todo o território nacional, conhecida e reconhecida, num moderno sistema de rede, mas na essência mantemos esta vontade de ajudar clientes e colaboradores, de crescer e de fazer sempre melhor. O setor está mais consolidado que há 21 anos, mais profissionalizado e mais competitivo. Bem sei que por vezes somos nós próprios a falar mal do setor, mas numa análise fria e justa estamos todos muito melhores do que estávamos em 2004.

A Predimed tem mais de 1.500 consultores no país, mais de 130 agências e mais de 8.000 imóveis anunciados. Que balanço faz da atividade? Planeiam abrir em breve mais agências?

O balanço tem sido muito positivo. A Predimed tem tido um percurso de crescimento ininterrupto há 12 anos. Depois de ter ultrapassado a crise que se abateu sobre o mundo, sobre o país e sobre o mercado imobiliário em especial, a marca tem prosperado porque se soube reinventar, reposicionar, definir uma estratégia e executá-la. O processo de recrutamento é permanente e ainda temos muito espaço para crescer, o que aliás estamos a fazer seja em número de agências, seja em número de consultores, seja em faturação.  

O que distingue a Predimed das outras redes imobiliárias? Considera que há uma concorrência saudável no setor?

Todas as redes imobiliárias prestam serviços de mediação imobiliária. O que distingue a Predimed é que esses serviços são prestados pelos consultores mais bem remunerados, e por isso mais motivados, do mercado. O nosso posicionamento é: fornecer aos consultores um conjunto de ferramentas que lhes permita prestar um serviço de excelência aos clientes, pagando-lhes a Predimed as mais altas comissões de mercado e tendo um sistema de tal maneira flexível que lhes permita desenvolver quer a carreira quer o negócio com a melhor relação custo benefício do mercado.

Diria que concorrência entre empresas licenciadas é, em geral, boa e saudável e que os principais concorrentes são na verdade parceiros de negócio. O mal está em todos aqueles que exercem a atividade de forma clandestina, sem as devidas licenças e camuflados sob a capa de "amigos do proprietário" ou ainda "gestores de negócio". 

Casas à venda em Sines
Empreendimento em Sines com imóveis comercializados pela Predimedidealista

2025 está a ser um bom ano para a Predimed, nomeadamente quando comparado com o mesmo período do ano passado? Qual é o perfil dos clientes, em termos de segmento e nacionalidade?

Estamos num processo de crescimento contínuo há 12 anos. Sucessivamente temos crescido de ano para ano de forma exponencial. Este ano não está a ser exceção, tendo fechado o primeiro trimestre com um crescimento de 120% face a igual período do ano passado.

O nosso posicionamento no mercado é muito abrangente, mas sem dúvida que o grosso da coluna dos negócios são no segmento habitacional. Em termos de segmento financeiro, diria que também somos muito abrangentes, mas que a maioria das transações são no segmento médio e médio-alto. Em termos de nacionalidade, a maioria dos clientes ainda são nacionais, mas temos muitos brasileiros, norte-americanos, franceses, entre outras nacionalidades.

Estão a vender-se e arrendar-se mais casas em Portugal em 2025, apesar dos preços continuarem elevados? Como perspetiva a evolução dos preços das casas?

Enquanto a construção de novos empreendimentos e urbanizações não se traduzir num número substancial de novos apartamentos e moradias no mercado os preços vão continuar a subir. O tema do arrendamento é mais complexo, porque não existe um mercado estruturado.

"O que tem de ser feito é construir mais casas e para segmentos diferentes, para que se absorva a elevada procura. (...) Se a isto se juntar uma menor carga fiscal sobre a promoção imobiliária, em especial nos imóveis destinados ao arrendamento (...), os preços irão estabilizar"

Portugal atravessa uma crise na habitação ou, para muitos, uma crise de acesso a habitação. Como contornar esta situação, sendo que aumentar a oferta de casas é crucial?

O que tem de ser feito é construir mais casas e para segmentos diferentes, para que se absorva a elevada procura. Dito assim parece simples, mas é mesmo assim. Se a isto se juntar uma menor carga fiscal sobre a promoção imobiliária, em especial nos imóveis destinados ao arrendamento, como forma de garantir que exista de uma vez por todas um verdadeiro mercado de arrendamento, os preços irão estabilizar.

Miguel Ribeiro, fundador da Predimed
Miguel Ribeiro, fundador da Predimed Créditos: Predimed

O que poderá ou deverá fazer o novo Governo, em termos legislativos, para dar resposta à falta de casas? A solução pode passar pela redução do IVA na construção para 6%? Como analisa as medidas do Governo para apoiar a compra da primeira casa, como a isenção de IMT e Imposto de Selo e a garantia pública no crédito habitação?

Medidas avulsas nunca dão grandes resultados. Ou se olha para a coisa de forma global ou dar uns pontos no IVA aqui para depois ir buscar noutros impostos ali não dá em nada. As medidas segmentadas como o apoio para a aquisição da primeira casa não deveriam ser apenas para os jovens, mas para todos na medida em que o direito à habitação, na consagração que a constituição lhe dá, não é só para jovens nem para os menos jovens, é para todos. Mas lançar essas medidas num mercado com um desequilibro tão grande entre a oferta e a procura só tem o condão de piorar as coisas, porque aumenta a procura. Ora se aumenta a procura e não aumenta a oferta, os preços sobem. É um ciclo vicioso.

Tem de haver um verdadeiro choque fiscal desde a aquisição dos terrenos para efeitos de promoção imobiliária até à construção e na compra e venda dos imóveis. Por outro lado, desburocratizar e acelerar os processos camarários para a construção de novos imóveis. Fala-se muito nisso, mas na prática continua tudo igual, com uma total falta de comunicação entre organismos dos Estado, camadas de burocracia e cobrança de taxas e taxinhas que encarecem o produto final. E quem é que paga tudo isto? O cliente final, aquele que adquire.

Por outro lado, a libertação de vastas áreas de terreno disponíveis para o crescimento das cidades, sendo que muitos desses terrenos ou são do próprio Estado, seja o central sejam as autarquias e outros que estão sem justificação afetos à reserva nacional agrícola, onde crescem ervas, entulho e lixo. E, bato sempre na mesma tecla, estas medidas deveriam ter um especial enfoque no arredamento, porque a inexistência de um verdadeiro mercado de arrendamento empurra toda a gente para a aquisição e isso causa um grande desequilíbrio no mercado.  

Há muito que se fala nessa necessidade de dinamizar o mercado de arrendamento. Acredita que a aposta no Build to Rent, por exemplo, poderá contribuir, de alguma forma, para esta dinamização?

À partida seria uma das últimas pessoas a quem interessaria a existência de um bom e saudável mercado de arrendamento. Na qualidade de mediador, porque o arrendamento gera comissões muito menores. E na qualidade de promotor imobiliário, que constrói imóveis para o mercado de arredamento, em quanto maior for a concorrência pior. Mas essas razões subjetivas não me fazem perder a isenção na análise da situação: não há um mercado sólido de arrendamento habitacional. O que é pena, porque um verdadeiro mercado de arrendamento faz com que haja mais opções para os clientes, para os agentes económicos e preços mais competitivos. Se o construir para arrendar ou o investimento imobiliário em ativos destinados ao arrendamento fosse uma atividade acarinhada, estimulada e defendida teríamos muito mais imóveis para esse fim no mercado e, consequentemente, valores mais baixos e mais opções para todos.

"À exceção dos anos da crise financeira, onde um corte brutal no acesso ao financiamento reduziu muito o mercado da compra e venda e trouxe ao mercado muitos imóveis para arrendamento, o arrendamento tem perdido importância de dia para dia"

Que peso tem o mercado de arrendamento no negócio da Predimed, face ao negócio da compra e venda de casas?

Atualmente é quase zero, no segmento habitacional. Tem alguma expressão no segmento comercial e industrial, porque aí existe mercado, não muito estruturado, mas existe. Mas em termos gerais da atividade, nestes últimos anos, o arredamento é absolutamente residual. À exceção dos anos da crise financeira, onde um corte brutal no acesso ao financiamento reduziu muito o mercado da compra e venda e trouxe ao mercado muitos imóveis para arrendamento, o arrendamento tem perdido importância de dia para dia.

É correto afirmar que a tecnologia, nomeadamente a Inteligência Artificial, está cada vez mais a conquistar espaço na atividade da mediação imobiliária? O que está a mudar?

Todas as ferramentas de trabalho na nossa atividade são importantes. O seu desenvolvimento e crescimento, o facto de cada vez mais à distância de um clique termos tudo, informação, cruzamento de dados, pesquisa ativa, marketing digital, acompanhamento e feedback aos clientes, etc., tudo isso é fantástico e ajuda-nos a todos a prestar um serviço melhor. Mas são ferramentas, não mais que isso.

Casas para venda em Porto Covo
Moradia em Porto Covo comercializada pela Predimedidealista

O papel do consultor imobiliário tende a sair reforçado ou a perder espaço na atividade da mediação imobiliária?

A nossa atividade é fortemente centrada nas pessoas e nas suas emoções. As ferramentas de trabalho são meramente acessórias no trabalho dos consultores junto dos clientes. Em nada alteram a essência de que a mediação é um negócio de pessoas para pessoas. Se assim não fosse, já teria desaparecido a partir do momento em que apareceram os portais imobiliários. Ela não só não desapareceu como floresceu. Porque nenhuma máquina conseguirá jamais interpretar os sonhos, os desejos de uma pessoa, jamais criará os laços que criamos com os clientes, jamais será empática e dará conforto a quem assessoramos. Aliás, num mundo cada vez mais virtual, o nosso caminho é ser cada vez mais humanos.

"(...) Nenhuma máquina conseguirá jamais interpretar os sonhos, os desejos de uma pessoa, jamais criará os laços que criamos com os clientes, jamais será empática e dará conforto a quem assessoramos. Aliás, num mundo cada vez mais virtual, o nosso caminho é ser cada vez mais humanos"

Muitos apontam a necessidade de haver mais formação e regulação na mediação imobiliária. Partilha esta visão?

Estamos melhor que há 10 anos, mas ainda há muito a fazer. Falta haver uma maior união no setor e uma melhor regulamentação quer externa, ao nível das leis e regulamentos, quer interna, ao nível da autorregulação, que é absolutamente inexistente. Basta pensarmos que atividades como a advocacia ou a contabilidade têm ordens profissionais com um importante papel na autorregulação e olharmos para a mediação, onde não existe uma associação de consultores, onde há duas ou três associações de mediadores em que a única coisa que se oferece são seguros de responsabilidade civil mais baratos e pouco mais, para percebemos que ainda estamos muito longe de onde deveríamos estar.

Ao nível da formação, evoluímos muito, temos bastantes e bons formadores, alguma obra publicada e até alguns cursos de nível superior. E essa evolução não teve nada a ver com leis ou regulamentos, mas sim porque as pessoas sentem essa necessidade como forma de serem melhores profissionais. Vejo hoje com agrado essa realidade, mas há sempre espaço para melhorar.

O que esperar do setor da mediação imobiliária nos próximos anos?

Continuaremos a ter um mercado com forte procura e défice de oferta. Ao longo do tempo mais imóveis serão construídos e virão para o mercado, o que fará atenuar esse desequilíbrio, entrando o mercado numa fase de planalto com uma estabilização de preços.

Casas à venda em Sines
Fonte: IA na mediação: “Nenhuma máquina criará os laços que criamos com clientes” — idealista/news