Flex Living em Portugal: tendência emergente ou caminho por desbravar? A crescente procura, aliada ao interesse dos investidores, indica um caminho promissor, mas há desafios, avisam os especialistas. 11 abr 2025 min de leitura Com os preços da compra e arrendamento habitacionais a subirem e a escassez de oferta a tornar-se crónica, o mercado tem tentado criar soluções inovadoras que possam dar resposta às necessidades e diferentes perfis da procura. Neste contexto, o conceito de Flex Living tem vindo a ganhar protagonismo, prometendo um modelo de habitação mais dinâmico, flexível e adaptado aos estilos de vida modernos. Apesar de ser um segmento de nicho, em Espanha, por exemplo, a “febre de investimentos” neste âmbito já é uma realidade. E em Portugal? Será este um verdadeiro fenómeno em ascensão no país ou ainda um mercado por desbravar? O idealista/news ouviu vários especialistas sobre o tema. Afinal, o que é o Flex Living? Augusto Lobo, Head of Capital Markets da JLL Portugal, começa por explicar que o Flex Living é um “conceito inovador que surge como alternativa aos modelos tradicionais de ocupação residencial em zonas urbanas, respondendo à crescente procura por soluções mais dinâmicas e adaptáveis às novas formas de viver e trabalhar”, destacando-se por promover um estilo de vida mais comunitário e funcional. Este modelo foca-se, por isso, na flexibilidade dos contratos, (várias opções de curto/médio prazo, sem compromissos a longo prazo); na mobilidade dos residentes; e na oferta de uma forte componente de serviços partilhados, como limpeza, manutenção, segurança e acesso a espaços comuns como ginásio ou coworking, segundo acrescenta Manuel Magalhães, Head of Development & Living da Cushman & Wakefield. Além disso, esta abordagem responde à crescente procura de habitação mais flexível, especialmente por parte de jovens profissionais, expatriados e nómadas digitais. O “Flex Living é ideal para populações móveis, como jovens profissionais, estudantes, trabalhadores temporários ou aqueles que estão a passar por transições de vida, como mudanças ou divórcios”, confirma Dominic Orchard, Associate Director e European Investment & Development, Operational Capital Markets da Savills. Freepik Os fatores que impulsionam a procura De acordo com os especialistas ouvidos, o mercado de Flex Living tende a crescer, impulsionado por vários fatores: Mudanças demográficas e socioeconómicas: A tendência para lares mais pequenos, com mais solteiros e casais sem filhos, tem gerado uma procura crescente por soluções de habitação mais flexíveis. Dificuldades no acesso à habitação tradicional: Com os preços da compra e do arrendamento em valores históricos elevados, muitos procuram alternativas que ofereçam conveniência sem os compromissos do arrendamento clássico. Crescimento do teletrabalho e dos nómadas digitais: O aumento do trabalho remoto tem levado cada vez mais estrangeiros a escolher Portugal como destino temporário para viver e trabalhar. Interesse dos investidores: O mercado tem despertado a atenção de investidores institucionais, que veem neste segmento uma oportunidade para diversificar os seus portfólios e capitalizar sobre novas tendências de habitação. Mercado português ainda (muito) aquém do ‘boom’ espanhol José Maria Mousinho, Head of Research da CBRE Portugal, defende que este segmento “ainda em fase embrionária em Portugal”. Explica que já “há evidências de interesse de investidores”, mas ainda numa perspetiva de desenvolvimento, não numa perspetiva de compra e venda de portefólios operados atualmente. “No ano passado, houve uma transação relevante desta classe que foi o projeto 'The Yard' comprado pela M&G Real Estate. Estamos, de facto, aquém do que acontece em Espanha, onde há uma procura e ofertas significativas de ‘living’ nestes moldes”, indica. Além disso, lembra que, apesar do surgimento de soluções flex “poderem aliviar a equação de procura e oferta, por trazer ao mercado unidades disponíveis de dimensões mais reduzidas que a casa típica”, em termos de preço, esta solução “vem satisfazer um segmento que não é low-end”. “Portanto, na renda por metro quadrado – e mesmo na renda por unidade – o alívio nos preços não virá por este vetor”, diz, uma vez que o Flex Living tem por definição somar ao preço do imobiliário o custo da flexibilidade e a inclusão de ‘amenities’ e serviços incluídos na mensalidade. Freepik Trata-se de uma visão partilhada por Augusto Lobo, da JLL. Segundo o responsável, e apesar do crescimento do segmento ser visível, o mercado português ainda se encontra numa fase inicial quando comparado com Espanha, o terceiro maior mercado europeu neste setor. “Em Espanha, o Flex Living já atingiu um volume seis vezes superior ao de Portugal, beneficiando de uma maior maturidade e adoção por parte de investidores e operadores”, refere. A opinião é unânime entre os consultores ouvidos: embora o Flex Living esteja a ganhar fôlego em Portugal, ainda está longe do ‘boom’ registado em Espanha. Ainda assim, Dominic Orchard destaca o The Yard, uo novo projeto localizado em Olaias que irá disponibilizar mais de 250 camas para jovens profissionais, operado pela Milestone Living, como exemplo que “sinaliza uma crescente confiança institucional no imobiliário português”. Manuel Magalhães, da Cushman & Wakefield, acrescenta o YUP Residence, na Rua Padre Luís Aparício, já construído. “São lofts em que as áreas interiores são adaptáveis para aumentar os diminuir as divisões, conforme as necessidades dos proprietários/inquilinos”, explica. Os desafios do Flex Living em Portugal A crescente procura e a evolução do mercado demonstram que o Flex Living tem potencial para ganhar uma posição mais consolidada no setor imobiliário português. No entanto, potencial, o país enfrenta vários desafios para que este segmento possa crescer de forma sustentada, tal como explicam os consultores: Burocracia e regulamentação: A ausência de um enquadramento legal específico para o Flex Living dificulta a implementação de projetos e aumenta a incerteza dos investidores. Dificuldades de financiamento: Os bancos ainda demonstram alguma resistência em financiar este tipo de projetos, por serem menos tradicionais. Escassez de terrenos e custos elevados: O preço dos terrenos em Lisboa e Porto, aliado à falta de escala de alguns edifícios que poderiam ser convertidos, representa um entrave à expansão deste modelo. Carga fiscal: O regime de IVA de 23% sobre a construção e outros custos associados podem comprometer a viabilidade financeira dos projetos. Menos operadores experientes em comparação com Espanha, o que abranda o crescimento. Freepik Flex Living e escassez de habitação Na opinião de Augusto Lobo, da JLL, o Flex Living pode desempenhar um papel relevante na mitigação da escassez de habitação acessível nas principais áreas urbanas portuguesas, ao oferecer uma solução adaptada a um segmento específico da população, como jovens profissionais, estudantes, expatriados e nómadas digitais, que procuram um modelo de ocupação flexível e dinâmico. “Além disso, ao diversificar a oferta habitacional, este modelo contribui para aliviar a pressão sobre o mercado residencial tradicional, disponibilizando alternativas que respondem de forma mais eficiente às necessidades emergentes da sociedade”, diz. Manuel Magalhães, da Cushman, concorda que este tipo de conceito traz mais oferta ao mercado, libertando habitações tradicionais para outro tipo de famílias. No entanto, relembra que o “tipo de cliente final deste tipo de projetos é diferente do utilizador/família que procura habitação acessível”. Dominic Orchard, da Savills, acrescenta que este tipo empreendimentos pode “otimizar o uso do solo urbano através de uma maior densidade e entrega mais rápida em comparação com os projetos tradicionais Build to Rent (BtR)”. “Ao satisfazer a procura temporária, o Flex Living pode também aliviar a pressão sobre o stock de arrendamento de longa duração”, adianta. Perspetivas futuras O Flex Living em Portugal é uma tendência em ascensão, mas ainda longe de atingir a maturidade observada noutros mercados europeus. Os especialistas acreditam que o Flex Living continuará a crescer em Portugal nos próximos anos, acompanhando as tendências internacionais. Espera-se uma expansão para zonas periféricas de Lisboa e Porto, “um foco crescente na sustentabilidade e uma maior integração de tecnologia nos projetos futuros”, diz Manuel Magalhães. “Embora este segmento ainda esteja numa fase de desenvolvimento no nosso país, o objetivo é aproximarmo-nos gradualmente do nível de maturidade já existente noutras geografias internacionais. Para tal, será essencial que o mercado evolua em sintonia com as necessidades emergentes dos utilizadores e com a adaptação do quadro regulatório e de investimento”, acrescenta Augusto Lobo. Freepik Para Dominic Orchard, e olhando para o futuro, “espera-se que o mercado de Flex Living em Portugal cresça com o surgimento de operadores híbridos que combinam serviços residenciais e de hospitality”. “As conversões de imóveis comerciais em unidades Flex Living provavelmente aumentarão, e o interesse institucional aumentará à medida que os fatores de ESG e a regeneração urbana se tornarem mais importantes”, refere, lembrando que a nível europeu, o mercado de Flex Living está a expandir-se, com o Reino Unido e a Holanda a liderar. Já Espanha deverá tornar-se o terceiro maior mercado em termos de camas do segmento até 2026. Dada a fase embrionária de mercado, José Maria Mousinho considera interessante estabelecer uma analogia entre o segmento de Flex Living e o setor de PBSA (residências de estudantes), uma vez que este permitirá antecipar a dinâmica de futuro. “No setor de PBSA, vemos os operadores em Lisboa a cobrar preços no intervalo de 600 euros a 1.200 euros por mês, por quartos de 15 m2 a 25 m2. Como resultado, temos uma renda no intervalo de 30 a 40 euros por m2 a contrastar com um valor mediano de renda na região de Grande Lisboa, que se situa nos 13,5 euros por m2”, começa por dizer. Foto de Toa Heftiba no Unsplash “Estas soluções captam um segmento tendencialmente internacional, culturalmente e financeiramente predisposto a pagar estes valores. À luz da nossa cultura, os estudantes portugueses costumam optar por uma solução menos ‘formal’: juntar várias pessoas na mesma casa (tipicamente um T3 a T5) e diluir o custo de renda por todos, cabendo a cada um pagar 300 a 500 euros por mês (valores indicativos)”, acrescenta. De acordo com o consultor, é possível traçar um ângulo para o desenvolvimento da classe de ativos de Flex Living: "À imagem do que acontece em PBSA, no caso do Flex Living, existe uma vantagem em relação ao mercado residencial tradicional no que diz respeito ao tratamento do IVA. Se garantir um determinado nível de serviço on-site, podem-se celebrar contratos de prestação de serviços com os residentes, sendo esses contratos sujeitos a uma taxa de IVA de 6%. O Estado permite a autoliquidação do IVA da construção, reduzindo assim os custos de desenvolvimento e, consequentemente, permitindo eficiência; À semelhança do PBSA, conseguem-se obter margens operacionais bastante interessantes (60% a 70%). Obviamente, isto depende sempre do nível de serviço e das amenities incluídas. Existem atualmente operadores a cobrar rendas de cerca de 600 euros, enquanto outros oferecem produtos high-end, com rendas que iniciam no patamar dos 890 euros por mês; A escala do projeto é um ponto fulcral: quanto maior for o projeto, maior vantagem competitiva se obtém na construção e na operação, originando ganhos de eficiência e respetivos ganhos em margens operacionais e/ou em competitividade de rendas – tanto depende da concorrência; Além do mais, vale a pena salientar que soluções flex são facilmente “acopláveis” em edifícios de serviços (ex: edifícios de escritórios ou PBSA). Isso pode também dar um ângulo para que soluções destas emerjam em mercados locais com taxas de disponibilidade elevadas – por exemplo, escritórios no corredor Oeste [de Belém a Oeiras]”. Fonte:Flex Living em Portugal: tendência ou uma miragem? — idealista/news Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado