Falta de casas acessíveis: a receita de Bruxelas para resolver a crise Reforçar oferta é o primeiro passo, seguida de apoios à procura. Portugal trocou prioridades na habitação, refletindo-se nos preços. 24 set 2025 min de leitura A habitação está no topo das preocupações da sociedade portuguesa, com as casas à venda cada vez mais caras e rendas altas, dificultando o acesso a uma casa digna por quem tem salários baixos ou médios. Mas este não é um problema só de Portugal, estendendo-se a todo o continente europeu. É neste contexto que Bruxelas quer ser um farol na resolução da crise de acesso à habitação na União Europeia (UE), propondo um conjunto de soluções para aumentar a oferta de habitação pública e privada, bem como para apoiar o acesso à habitação por parte dos grupos mais vulneráveis, como os jovens. É isso mesmo que revela o mais recente relatório da Comissão Especial sobre a Crise de Habitação, que o idealista/news passou a pente fino. As raízes da crise de acesso à habitação na Europa Bruxelas quer catalisar soluções para a crise da habitação As soluções para a habitação na Europa Aumentar a oferta de habitação: mais terrenos e simplificação fiscal Garantir financiamento público e facilitar investimento privado na habitação Apoiar a procura de habitação: dos jovens aos sem-abrigo Dados ajudam a criar políticas de habitação eficazes As raízes da crise de acesso à habitação na Europa “O acesso à habitação na UE tornou-se um dos grandes desafios do nosso tempo e é uma das principais preocupações dos nossos cidadãos”, admite o Parlamento Europeu (PE) na recente proposta de resolução sobre a crise da habitação na UE assinada pelo eurodeputado espanhol Borja Giménez Larraz. Os números falam por si. Nos últimos 15 anos, as casas vendidas na União Europeia encareceram quase 60%, enquanto as rendas subiram quase 30%, de acordo com os dados mais recentes do Eurostat. E em Portugal este agravamento do custo da habitação foi ainda maior: mais do que duplicou nas casas vendidas e subiu quase 50% no arrendamento. Este cenário eleva o peso das despesas com a casa no rendimento mensal das famílias tornando a habitação inacessível, sobretudo, para os mais jovens e famílias com salários baixos e médios. A UN-Habitat, um programa das Nações Unidas, considera que a habitação é acessível quando as despesas líquidas mensais com a casa não ultrapassam 30% do rendimento total do agregado familiar. O agravamento dos preços das casas na Europa tem efeitos sociais evidentes: atraso na emancipação dos jovens (que ficam até mais tarde em casa dos pais), adiamento de decisões de vida (como constituir família) e é um estímulo à emigração, aponta os eurodeputados. “Quando a habitação se torna inacessível, o impacto é desproporcionalmente sentido pelos jovens e fragiliza a estabilidade das famílias”, Comissão Especial sobre a Crise da Habitação na UE A raiz do problema, sublinha a Comissão Especial sobre a Crise da Habitação na UE, está na “oferta limitada de habitação, tanto privada como pública, resultante de uma construção insuficiente e de falta de investimento nas últimas décadas”. E todo este cenário é agravado pelos licenciamentos morosos, “carga fiscal excessiva” na habitação, falta de mão de obra qualificada nas empresas e subida dos custos de construção, agravados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. A par de tudo isto, a ocupação ilegal de casas, a difícil litigância nos despejos e a incerteza jurídica acabam por afastar proprietários e investidores, contribuindo ainda mais para a redução de imóveis no mercado, acrescentam no documento publicado na semana passada, que será discutido na Comissão Especial esta quinta-feira, dia 25 de setembro. Eurostat Bruxelas quer catalisar soluções para a crise da habitação Os eurodeputados reconhecem que “os desafios relacionados com a habitação são diversos entre os Estados-membros, regiões e cidades, incluindo áreas rurais, ilhas e regiões ultraperiféricas”. E que, por isso, o papel das autoridades locais, municipais e regionais é “fundamental” para identificar necessidades e formular soluções habitacionais adaptadas aos desafios locais, “especialmente nas áreas despovoadas, rurais e insulares”. “Embora a política de habitação continue a ser uma competência nacional, regional e local (…), está a emergir um padrão de causas subjacentes comuns em vários Estados-membros, algumas delas ancoradas na legislação da União Europeia”, admitem ainda no relatório. É neste contexto que a União Europeia não poderá substituir os Estados-membros na gestão das suas políticas de habitação, mas deve agir como um “catalisador, eliminando barreiras, desbloqueando investimentos e criando condições favoráveis para que todos os cidadãos, famílias e as gerações futuras possam ter acesso a um sítio a que possam chamar casa”. "O controlo de preços e as intervenções de mercado demasiado restritivas são ineficazes (...) e afastam aqueles que poderiam contribuir eficazmente (...) para expandir a oferta” Desde logo, o Parlamento Europeu deixa um aviso aos governantes: as políticas de habitação baseadas no “controlo de preços e as intervenções de mercado demasiado restritivas são ineficazes, criam incerteza, desincentivam o investimento e afastam aqueles que poderiam contribuir eficazmente (...)para expandir a oferta”. Em vez disso, insiste que a crise da habitação deve ser enfrentada através de uma abordagem sequencial em dois passos: primeiro, é preciso aumentar a oferta de casas de “forma significativa” para aliviar o equilíbrio estrutural do mercado. E só depois é que se deve apoiar a procura, em especial os jovens e as famílias de salários baixos e médios. "De outra forma, as pressões do lado da procura correm o risco de agravar os preços e limitar a acessibilidade", avisam. Portugal falhou nesta sequência ao ter avançado com apoios aos mais jovens para comprar habitação (como a isenção de IMT e garantia pública), sem antes ter garantido um aumento considerável de oferta habitacional. E a principal consequência, antecipada por Bruxelas, parece estar a observar-se: os preços das casas à venda no nosso país registaram a maior subida de sempre no segundo trimestre de 2025 (+17,2%), tal como avançou o Instituto Nacional de Estatística (INE) esta segunda-feira (dia 22 de setembro). Getty images As soluções para a habitação na Europa O Parlamento Europeu não tem dúvidas: o combate à crise da habitação implica uma estreita colaboração entre municípios, Estados-membros e a Europa. Estas são algumas das propostas dos deputados europeus, plasmadas no relatório, para cada desafio que contribui para a crise de acesso à habitação existente: Aumentar a oferta de habitação: mais terrenos e simplificação fiscal Bruxelas insiste que a solução fundamental passa por aumentar rapidamente a construção de casas e renovar o parque habitacional existente. Para que isso seja possível, apela às autoridades públicas para que tomem “medidas urgentes para aumentar a oferta”, como: Reduzir cargas regulamentares ao longo de toda a cadeia de valor, eliminando obstáculos e burocracias e aliviando entraves na legislação local, nacional e da UE. Neste sentido, “apela a uma auditoria regulatória conjunta pela Comissão Europeia [CE] e pelo Tribunal de Contas Europeu relativamente à legislação da UE que possa estar a dificultar a oferta de habitação”; Melhorar a disponibilidade de terrenos para construção, em especial em áreas densamente povoadas, por parte das autoridades públicas; Reabilitar edifícios públicos e promover a conversão de património público devoluto em habitação social; Simplificação e agilização dos processos de licenciamento urbanístico; Promoção de um sistema fiscal eficiente e com mais incentivos nas políticas de habitação (por exemplo, flexibilidade nas relações senhorio-inquilinos e evitar controlos de renda); Maior investimento em industrialização na construção, de forma a recorrer a métodos “mais rápidos, económicos e menos intensivos em mão de obra”; Maior apoio dos países a microempresas, PME e trabalhadores independentes nas áreas da construção e habitação, removendo “barreiras regulamentares que impeçam a competitividade, a atração de talento e o acesso ao mercado”; Potencial revisão da legislação da UE que possa afetar o preço e oferta de materiais de construção, baseada num relatório pedido à CE; Maior proteção dos direitos de propriedade (possuir, usar ou herdar imóveis legalmente): aqui há um apelo a políticas coordenadas a nível europeu para prevenir e combater a ocupação ilegal da habitação, sendo esta uma condição prévia para a estabilidade do mercado e confiança dos investidores. Aqui Portugal tem dados pequenos passos. A disponibilização de património público para habitação está a ocorrer devagar e há meses que o setor aguarda pela revisão do simplex dos licenciamentos urbanísticos, por exemplo. O impacto na habitação da lei dos solos está ainda por conhecer. A redução do IVA na construção de 23% para 6% está nos planos do Executivo de Montenegro, mas não há novidades sobre a sua possível aplicação. Por outro lado, anunciou na semana passada que vai vender nove edifícios públicos, como a antiga sede da Presidência do Conselho de Ministros, com a receita a ser canalizada para financiar políticas públicas de habitação. Alvalade, LisboaCréditos: Gonçalo Lopes | idealista/news Garantir financiamento público e facilitar investimento privado na habitação O setor público, sozinho, não consegue resolver a crise na habitação nem a falta de liquidez no mercado, nomeadamente na construção de habitação social. É por isso que os Estados-membros e instituições da UE devem “criar condições para atrair investimento privado na construção de habitação destinada a agregados de baixos e médios rendimentos”, referem os eurodeputados. Neste contexto, importa criar “mecanismos mais sólidos de cooperação público-privada, para aproveitar o conhecimento do setor privado, oferecendo incentivos às empresas envolvidas em projetos de habitação acessível, incluindo investimento em infraestruturas nas áreas rurais e despovoadas”. Ao nível do financiamento público, Bruxelas defende uma “aplicação estratégica e eficiente dos investimentos no setor da habitação através dos financiamentos europeus existentes, como o Fundo de Coesão, o NextGenerationEU e o BEI [Banco Europeu de Investimento], assegurando o respeito pelas políticas dos Estados-membros e evitando pressões inflacionistas”. E apoia ainda o papel do BEI como “catalisador de financiamento público e privado para a habitação acessível”, assim como a criação de uma plataforma pan-europeia de investimento, com bancos nacionais de promoção, para aumentar o financiamento para o setor habitacional. Neste ponto, Portugal já está a aproveitar o capital vindo do BEI, nomeadamente 1.340 milhões de euros destinado a construir e renovar cerca de 12.000 casas que vão ser colocadas em arrendamento acessível. E o Governo de Montenegro anunciou também que vai colocar 14 terrenos em Parcerias Público-Privadas (PPP) também em prol da habitação acessível. Freepik Apoiar a procura de habitação: dos jovens aos sem-abrigo A população dos centros urbanos está a aumentar e a concentrar-se cada vez mais em cidades de maior dimensão, enquanto as áreas rurais continuam a perder habitantes - este é um cenário bem visível em Portugal. Em paralelo, assiste-se a alterações demográficas que moldam as necessidades habitacionais: as famílias estão a ficar mais pequenas, a população está a envelhecer e há novas pressões migratórias, como as climáticas. É neste contexto que o PE considera que há conjunto de medidas que devem ser adotadas pelos países europeus para facilitar o acesso à habitação, sobretudo, por parte de jovens e as famílias com menores rendimentos, refere ainda no documento: Facilitar o acesso dos jovens ao crédito para habitação, incluindo incentivos como taxas reduzidas para quem compre a sua primeira casa; Isenção de impostos sobre transações de casas para os compradores jovens desde que ocupem o imóvel durante um certo período; Concessão de empréstimos bonificados e garantias até 100% do investimento para facilitar o acesso ao crédito por jovens, sem comprometer a estabilidade financeira das famílias ou aumentar preços; Melhorar o acesso ao arrendamento, incluindo residências para estudantes, apoiando a mobilidade nacional de estudantes, experiências Erasmus+, intercâmbios e estágios; Explorar programas de habitação acessível à medida das famílias com rendimentos baixos ou médios, com especial atenção aos trabalhadores essenciais e estratégicos, como médicos, enfermeiros, professores e forças de segurança; Criação de um plano de ação europeu de apoio à família, com especial atenção às famílias numerosas, monoparentais e vulneráveis. Isto porque Bruxelas “reconhece a existência de um fosso geracional na habitação, dado que o acesso tardio pode ser um dos fatores que dificulta a formação de famílias e agrava os desafios demográficos da Europa”; Reforço da Plataforma Europeia de Combate aos Sem-Abrigo e criação de mais medidas para garantir que as pessoas sem-abrigo possam aceder à habitação. Várias destas medidas já estão a ser aplicadas em Portugal, sobretudo, as dirigidas aos mais jovens, que contam com isenção de IMT e imposto de Selo na compra da sua primeira habitação. E têm, desde o início do ano, acesso à garantia pública que financia a aquisição de habitação até 100% - e que agora conta com um reforço. Freepik Dados ajudam a criar políticas de habitação eficazes Outra recomendação dos eurodeputados passa por melhorar a recolha de dados e o acompanhamento das políticas na habitação, seja via Eurostat, seja por relatórios nacionais ou locais. Na sua visão, seria importante a CE desenvolver um relatório europeu anual sobre a habitação, assim como um periódico sobre a aplicação dos fundos europeus no setor. Para já, deixa uma encomenda: uma avaliação sobre os efeitos dos arrendamentos de curta duração nos preços da habitação, tanto nos mercados locais como nacionais, e sobre a disponibilidade do parque habitacional, após a implementação do regulamento relativo aos arrendamentos de curta duração. “Uma melhor evidência é fundamental para compreender a ligação entre o acesso à habitação, a produtividade económica e a competitividade, razão pela qual a recolha e utilização de dados comparáveis e de indicadores robustos ao nível europeu deve ser melhorada. Sem dados fiáveis e detalhados, políticas sólidas estarão sempre fora do alcance”, concluem. Fonte:Falta de casas na Europa: Bruxelas quer ser farol para resolver crise — idealista/news Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado