Casas vazias são atualmente um dos maiores enigmas do mercado habitacional em Portugal. Em pleno século XXI, num contexto de rendas elevadas, dificuldade de acesso à habitação e milhares de famílias com necessidades não satisfeitas, a existência de centenas de milhares de casas vazias levanta importantes questões a governantes, especialistas e cidadãos. O problema das casas vazias está no centro do debate público e político, sendo fundamental para compreender o futuro do parque habitacional nacional e o caminho das políticas públicas.

Segundo dados oficiais do Censos 2021, existem 723.215 casas vazias em território nacional, o que representa 12,1% do total de alojamentos clássicos. A maioria destes imóveis está em bom estado de conservação e habitabilidade: cerca de 485.000 casas não necessitam de obras ou apenas requerem pequenas intervenções. Este dado, por si só, desafia o senso comum de que a inatividade do parque habitacional está limitada a edifícios em ruínas ou localizações remotas.

Destaca-se uma realidade assustadora: das casas em bom estado, apenas 236.927 estão no mercado de venda ou arrendamento. Quase 250.000 imóveis prontos a habitar estão vazios por outras razões. Estas causas englobam desde a espera por processos de herança, ausência de sucessores, questões jurídicas, até situações de desinteresse por parte dos proprietários, especulação imobiliária, ou expectativa de valorização futura. Em muitos casos, a casa permanece fechada porque o seu dono prefere aguardar melhores oportunidades de mercado, não confia na estabilidade legislativa sobre arrendamento, ou teme os riscos associados a inquilinos.

Esta abundância de casas desocupadas é especialmente visível nas zonas urbanas, onde a pressão habitacional é mais sentida. Lisboa, por exemplo, apresenta quase 15% do seu parque habitacional vazio, traduzindo-se em cerca de 48 mil imóveis sem ocupação, mesmo sendo uma das cidades portuguesas onde mais se sente a falta de oferta de habitação.

Impacto social e económico das casas vazias

A pergunta impõe-se: como pode existir simultaneamente tanta falta de casas acessíveis e tantas casas vazias? Este paradoxo tem impacto direto nos preços das casas, na gentrificação de alguns bairros e no agravamento da exclusão social. O stock devoluto é, em grande medida, subaproveitado, tornando-se um ativo financeiro para muitos proprietários, principalmente pequenos investidores e famílias que viram no imobiliário uma aplicação segura.

Escassez de oferta e aumento dos preços de venda e arrendamento estão intimamente ligados à mobilização insuficiente do parque de casas vazias. Mesmo perante incentivos pontuais, muitos proprietários mantêm-se reticentes, receando mudanças legislativas, burocracias ou dificuldades associadas à gestão de contratos de arrendamento. Por outro lado, os custos de reabilitação, os impostos sobre património e a falta de incentivos fiscais eficazes são barreiras à mobilização destes imóveis para o mercado.

A situação é agravada pelo envelhecimento da população e a fragmentação das heranças. Muitos imóveis ficam bloqueados em processos sucessórios prolongados, esperando indefinidamente a resolução de partilhas familiares. Noutros casos, as casas ficam associadas a memórias e os herdeiros preferem mantê-las fechadas.

Desafios na mobilização das casas vazias

Resolver a crise das casas vazias obriga a uma atuação firme em múltiplas frentes. Uma delas é a compreensão aprofundada dos motivos que levam à inatividade de tantos imóveis em boas condições. Recomenda-se o envolvimento de autarquias, institutos públicos e comunidades académicas na identificação das causas, bem como na definição de medidas eficazes. Entre as estratégias sugeridas encontram-se incentivos fiscais para arrendamento de longa duração, agilização de processos de herança, penalização de longo prazo para imóveis desocupados, criação de bolsas municipais de habitação e investimento na reabilitação.

Além disso, começam a surgir iniciativas tecnológicas e cívicas para mapear as casas vazias, como aplicações colaborativas que permitem identificar imóveis devolutos e sensibilizar os poderes públicos. Esta mobilização cidadã visa pressionar decisores a adotar políticas que recuperem o património habitacional subutilizado e revertam o absurdo de haver tantas casas sem residentes ao mesmo tempo que milhares de pessoas procuram um teto.

Prospetivas e o papel das políticas públicas

O governo português já anunciou a intenção de apresentar medidas para combater o problema, com destaque para programas de arrendamento acessível, levantamento cadastral dos imóveis devolutos e intervenção direta em casos críticos de abandono. A aposta passa também pela promoção de maior segurança jurídica no arrendamento e pela fiscalidade positiva para quem coloca casas desocupadas no mercado.

Apesar das dificuldades, existe um consenso: só será possível enfrentar o problema das casas vazias com uma abordagem integrada, pragmática e colaborativa, que envolva Estado, autarquias, proprietários e a sociedade civil. É urgente transformar o potencial inexplorado das casas vazias numa solução concreta para a crise habitacional, revertendo o ciclo de exclusão e inatividade que tem marcado o setor.

Portugal tem casas – o grande desafio é pô-las ao serviço de quem delas precisa, garantindo o direito à habitação e promovendo cidades mais justas, inclusivas e dinâmicas. O futuro do mercado habitacional passará, inevitavelmente, pela resposta que sociedade e governos forem capazes de dar ao enigma das casas vazias.
Fonte: Casas vazias: O grande enigma da habitação em Portugal - SUPERCASA