Casas novas nas periferias? “Está sempre ligado à mobilidade” A compra de uma casa é provavelmente dos melhores investimentos que uma família faz”, diz ao idealista/news Rui Torgal, CEO da ERA Portugal. 26 jun 2025 min de leitura Assim que assumiu funções de CEO da ERA Portugal, no início de 2020, em vésperas da pandemia, Rui Torgal decidiu cancelar a convenção anual da rede imobiliária. Uma decisão que “causou convulsão”, mas que considera ter sido “corajosa”. Passaram mais de cinco anos e muita coisa mudou no setor da mediação imobiliária, desde logo com a chegada em força da tecnologia e da Inteligência Artificial (IA). “As pessoas estão e estarão sempre no centro daquilo que é a nossa visão para o negócio”, partilha com o idealista/news, numa entrevista na qual aborda, entre outros temas, a necessidade de aumentar a oferta de casas no país, nomeadamente nas periferias de Lisboa e Porto. Uma solução de construção nova que, segundo o especialista imobiliário, só terá resultados melhorando a mobilidade: “Não podemos só olhar para uma, sem olhar para a outra”. Também a profissionalização do setor e do agente imobiliário foi tema de análise durante a conversa, que decorreu nos escritórios da ERA Portugal em Lisboa. “Quando um consultor imobiliário trabalha connosco, estou a falar da grande maioria, trabalha só connosco, tem esta atividade. É formado de forma muitíssimo rigorosa. (…) Levamos o papel do consultor e da profissionalização muito a sério”, assegura Rui Torgal. Recordando que 2024 foi o melhor ano de sempre da empresa, o CEO da ERA Portugal antecipa novos máximos históricos em 2025. “Em março, que foi até agora [os dados do primeiro semestre do ano serão divulgados em breve] o nosso melhor mês de sempre, tivemos um crescimento de 34% relativamente ao mesmo mês de 2024. No primeiro trimestre estamos a crescer, já em cima de um ano que por si só tinha sido excelente, o melhor de sempre [2024], cerca de 25%. Estimo que o crescimento neste semestre, comparado com os primeiros seis meses do ano passado, possa ser de cerca de 40%”, revela. Rui Torgal, CEO da ERA PortugalCréditos: Gonçalo Lopes | idealista/news Assumiu a função de diretor-geral da ERA Portugal em janeiro de 2020, em vésperas de pandemia. Que balanço de atividade faz? Sim, e foi numa altura desafiante, porque a primeira decisão foi provavelmente a menos consensual e causou convulsão na rede. Estávamos no pré-COVID, o confinamento começou em março e tínhamos uma convenção nesse mês, e a primeira decisão que tomei enquanto CEO da empresa foi cancelá-la. Uma decisão tomada em janeiro. Significa ter entrado a pés juntos, na linguagem futebolística (risos). Na altura, as pessoas referiram que foi uma decisão provavelmente pouco ponderada, histérica. Mas a verdade é que foi corajosa na medida em que, antecipadamente, tivemos a capacidade de perceber o que iria acontecer. E a partir daí entrámos efetivamente num período de confinamento com desafios enormes. De repente, tivemos de trabalhar numa atividade que é de rua, de campo, de contacto pessoal numa atividade que se fazia à distância, de alguma forma contranatura em função ao que sempre foi feito e que são os princípios da atividade. Mas tivemos a capacidade de nos adaptarmos muito facilmente. A verdade é que, após um ligeiro decréscimo que decorre destas circunstâncias, do contexto em que estávamos, temos vindo de forma consistente a aumentar os resultados. Tivemos a capacidade de ano após ano, e passado aquele período mais conturbado, crescer de forma consistente. Em 2024 tivemos o melhor ano de sempre e em 2025 estamos com resultados extraordinários, a crescer muito acima daquilo que é o crescimento do mercado. Sinto que a empresa está organizada, interligada, que existe uma excelente relação entre aquilo que é uma estrutura mais central, que é a ERA Portugal, e os seus franqueados. Quando essa relação de confiança e entreajuda existe normalmente é um bom presságio. Pandemia, digitalização, IA... O que mudou ou está a mudar na mediação imobiliária e como antecipa estas mudanças? Desde logo, o recurso à digitalização e a meios tecnológicos mais avançados foi notório a partir da pandemia. Desde reuniões remotas, de questões que têm a ver com escrituras, tudo foi de alguma forma informatizado, simplificado. E entrámos num processo que é irreversível, que se deveu a questões externas que fizeram com que as empresas tivessem de se adaptar. Existe uma revolução. Uma revolução na vida privada e também empresarial. As ferramentas de IA cada vez vão estar mais ao dispor das empresas, do negócio. Encaramos o tema com grande entusiasmo e otimismo e estamos totalmente abertos e permeáveis a poder incorporá-las e utilizá-las. Também estando certo de algo que para nós é absolutamente estruturante: é que a tecnologia ajuda as pessoas a poderem fazer o seu trabalho mais rápido e mais bem feito, mas o elemento pessoas está sempre nesta equação e, portanto, ninguém pense que agora vamos ter um negócio totalmente tecnológico e as pessoas estão fora. As pessoas estão e estarão sempre no centro daquilo que é a nossa visão para o negócio. O que essas pessoas vão ter são ferramentas poderosíssimas de forma a poderem fazer mais e melhor, a dar melhores respostas e a estar de forma mais profissional com clientes. "A tecnologia ajuda as pessoas a poderem fazer o seu trabalho mais rápido e mais bem feito, mas o elemento pessoas está sempre nesta equação e, portanto, ninguém pense que agora vamos ter um negócio totalmente tecnológico e as pessoas estão fora. Estão e estarão sempre no centro daquilo que é a nossa visão para o negócio" No dia a dia já se sente o impacto da IA na atividade da mediação imobiliária? Há mais pontos positivos que negativos? Há mais pontos positivos, no entanto, temos de ter alguma consciência de que as ferramentas de IA podem criar também um discurso muito uniformizado, respostas muito uniformes, e queremos pautar-nos pela diferença. A IA fará sempre aquilo que o humano faz mais lentamente, deixando o humano ser bom naquilo que é único. Aquilo em que acredito é num modelo de mediação imobiliária que será sempre de pessoas para pessoas. A confiança estabelece-se de pessoas para pessoas. A informação pode circular mais rápido, ser mais completa, mas os negócios fazem-se quando as pessoas olham nos olhos e confiam na pessoa que, de alguma forma, está a apresentar o imóvel. Isto não se alterará. Freepik Diz que 2024 foi o melhor ano de sempre da ERA Portugal e antecipa um 2025 igualmente positivo. Que números nos pode dar até à data? Vou dar dois números que demonstram o nosso crescimento. Em março, que foi até agora [os dados do primeiro semestre do ano serão divulgados em breve] o nosso melhor mês de sempre, tivemos um crescimento de 34% relativamente ao mesmo mês de 2024. E no primeiro trimestre estamos a crescer, já em cima de um ano que por si só tinha sido excelente, o melhor de sempre [2024], cerca de 25%. Estimo que o crescimento neste semestre, comparado com os primeiros seis meses do ano passado, possa ser de cerca de 40%. 2025 será, com certeza, um ano marcante dentro daquilo que é a nossa atividade. Será um ano de recordes também, o que nos deixa muito otimistas para o futuro. Números que vão ao encontro aos dados mais recentes do INE, que indicam que se estão a vender mais casas. Será essa a tendência, sabendo, no entanto, que é preciso aumentar a oferta de habitações? Vamos continuar a vender mais casas, mas continuam a faltar casas no mercado. Ao longo dos anos fiz um alerta aos governos, aos ministros, para facilitarem em tudo aquilo que podem facilitar, seja em taxas, seja nos processos burocráticos. A verdade é que temos caminhado nesse sentido e percebemos que se está a construir mais e melhor. Está a construir-se em locais onde antes se construía menos, nas periferias das grandes cidades, e a tendência será, de alguma forma, dar resposta àquilo que é um aumento da procura. Muito se tem falado na existência de uma crise de acesso a habitação ou numa crise na habitação, sendo certo que são precisas mais casas. O que espera do novo Governo? Espero que possamos ter uma estabilidade que decorre de um tempo de governação mais prolongado. Um país não pode ter estabilidade quando tem governos de um ano. Este Governo está a seguir algo que de alguma forma também tenho transmitido, que é menos Estado é bom Estado. Quando colocamos o Estado a regular muito o mercado, este deixa de funcionar. Este Governo terá pelo menos esta clareza de perceber que o Estado precisa de estar naquilo que é preciso, nomeadamente na construção de habitação social, de poder, de alguma forma, compensar a classe mais desfavorecida, criando rendas acessíveis, criando imóveis que o próprio Estado, enfim, está empenhado em colocar no mercado, e não a tentar ser proprietário dos imóveis dos outros, criando medidas que são artificiais e que acabam por desregular o mercado. Não precisamos de mais Estado, precisamos é de melhor Estado. Se o Estado estiver naquilo que lhe compete, podendo facilitar as empresas, ajudar pessoas mais favorecidas, já está a cumprir o seu papel. "Este Governo está a seguir algo que de alguma forma também tenho transmitido, que é menos Estado é bom Estado. Quando colocamos o Estado a regular muito o mercado, este deixa de funcionar" Sobre a eventual descida do IVA na construção de 23% para 6%, uma medida muito reclamada por vários players, o que tem a dizer? Relativamente ao IVA, tudo o que tem a ver com o contributo fiscal, no sentido de poder incentivar seja as empresas seja os particulares, para poderem recuperar ou construir, é sempre positivo. Agora é importante assegurar que essa redução de impostos se reflete no preço das casas. Tudo aquilo que facilite e contribua para que o mercado funcione, e de alguma forma se autorregule, contribui para que as pessoas tenham uma vida melhor. Sobre isto não tenho qualquer dúvida, é uma convicção. Luz Altear, na Alta de Lisboa, está a ser comercializado pela ERA PortugalERA Portugal Qual é o “peso” do arrendamento no negócio da ERA Portugal e que importância teria para o setor haver mais projetos residenciais de Build to Rent (BtR)? O arrendamento é absolutamente residual no negócio. Sempre foi e penso que continuará a ser, embora tenhamos a noção que muitas vezes, quando estamos a falar de investidores, o investidor compra uma casa para colocá-la depois no mercado a arrendar. A verdade é que não temos tido muito esse tipo de negócio. O que esperamos que possa acontecer é que menos Estado signifique mais casas e que se deixe o mercado funcionar. Os preços só se regulam com oferta, esta é a minha convicção, não se regulam com leis, com Estado, com estigmas. Ainda relativamente ao arrendamento, diz-se que os preços estão elevados e questiona-se sobre qual será a família da classe média que pode pagar os valores praticados. Voltamos à mesma questão: se não tivermos oferta, os preços vão manter-se iguais. Portanto, se viermos a ter incentivos à construção, se tivermos menos Estado no dia a dia e se, de alguma forma, tivermos abordagens como o BtR e outros modelos semelhantes, vamos ter um aumento do arrendamento e uma oferta muito maior. E os preços claramente vão-se autorregular. A adoção de medidas legislativas a longo prazo, independentemente da cor política dos governos, traria estabilidade ao setor? Se existirem pactos de regime a longo prazo em setores determinantes e fundamentais da sociedade, como a habitação, a saúde e a justiça, teremos um país muito mais estruturado. Já estamos a entrar no campo da política, mas são estas as minhas convicções. Se tivermos a capacidade de perceber que o país merece muito mais e muito melhores políticos e políticas, no sentido de poder dar mais às pessoas, que é o principal papel da política e dos políticos, teremos soluções muito mais eficazes e consistentes. "Se existirem pactos de regime a longo prazo em setores determinantes e fundamentais da sociedade, como a habitação, a saúde e a justiça, teremos um país muito mais estruturado" Se não pensarmos o país grande, o país a longo prazo, com certeza teremos sempre um país pequenino com medidas a curto prazo. Aquilo que espero e o apelo que faço é: pensem no país em grande, tal como pensamos a nossa empresa em grande, porque só assim conseguiremos construir um futuro que será bom para nós e acima de tudo para as gerações vindouras. Ainda sobre o negócio da ERA Portugal. Há mais portugueses a comprar casa? E os estrangeiros mantém-se ativos? A verdade é que há uma tendência crescente da compra de estrangeiros, agora dizer que o mercado vive de estrangeiros não é verdade. É óbvio que em alguns locais, em alguns segmentos, temos tido muitos estrangeiros ao longo dos últimos anos, mas o equilíbrio mantém-se. Temos muita procura de nacionais e os resultados têm-se construído na mesma relação, no mesmo equilíbrio. Não posso dizer que de repente 2025 é excelente porque os brasileiros ou os norte-americanos começaram a comprar. Se calhar há um aumento, o que é bom para o país e para todos, mas é um crescimento que existe há muitos anos. Neste momento, a compra de casas por parte de estrangeiros representa dentro daquilo que é o nosso negócio, em valor não em transações, cerca de 15%. Isto significa o quê? Que os portugueses representam uma fatia muito maior do número de transações, mas quando falamos em valor, essa percentagem assume um número maior quando se refere a estrangeiros. Relativamente ao peso do mercado internacional, há “novos estrangeiros” interessados no mercado nacional? Sentimos que há vagas. Sentimos os chineses em alguma altura, em alguns mercados os vietnamitas, isto mais recentemente. Em termos percentuais estamos a falar de um valor residual, mas se falássemos há uns anos que havia vietnamitas a comprar casas em Portugal ninguém acreditava. Temos investimento que vem de muitas partes do mundo e muito concentrado: o mercado nórdico, por exemplo, está muito concentrado em zonas especificas do Algarve. ÈLOU Jardins, em Santo António dos Cavaleiros (Lisboa), está a ser comercializado pela ERA PortugalERA Portugal As taxas de juro no crédito habitação estão a descer e o mundo vive dias atribulados em termos geopolíticos. Será este um bom momento para comprar casa em Portugal? Essa é uma pergunta que nunca responderia que não, mas neste momento em particular respondo com muito mais certeza que sim, sim, sim. Por várias razões. Em primeiro lugar, porque o imobiliário, pelos incentivos, pela baixa das taxas de juro, pelo facto de hoje, com a valorização dos ativos, a compra de uma casa é provavelmente dos melhores investimentos que uma família faz. Alguém que tenha recursos, que tenha dinheiro no banco, provavelmente deverá perceber qual é a yield que pode ter comprando uma casa e arrendando-a, qual é a mais-valia que pode ter comprando hoje e vendendo daqui a uns anos. Isto comparativamente com aquilo que é ter o dinheiro no banco. "Se é uma boa altura para comprar casa? Essa é uma pergunta que nunca responderia que não, mas neste momento em particular respondo com muito mais certeza que sim, sim, sim. (...) Hoje, com a valorização dos ativos, a compra de uma casa é provavelmente dos melhores investimentos que uma família faz" Sentimos que as pessoas, de forma mais esclarecida e consciente, percebem isto. E este também é um motivo pelo qual existe e continua a existir um crescimento da compra de casas. Existe muito investimento e ainda bem. Queremos um mercado pujante, queremos as pessoas a ganhar dinheiro, porque só quando se ganha dinheiro é que se consegue distribuir. Isto é algo fundamental na economia, porque muitas vezes existe um estigma relativamente a quem ganha dinheiro, aos investidores. As pessoas têm de perceber que só se pode distribuir aquilo que se tem. Não podemos estar sentados em cima do Estado. Falou há pouco na necessidade de aumentar a oferta de casas apostando, por exemplo, na construção nova nas periferias das cidades, nomeadamente de Lisboa e Porto, onde haverá ainda terrenos disponíveis. Essa será uma das soluções para dar respostas à falta de casas? Quando estamos a falar da periferia, está sempre ligado a questões de mobilidade. A Margem Sul [de Lisboa] para muitas pessoas não é opção porquê? Porque a mobilidade é impossível. Quem é que se quer levantar às 06h00 para começar a trabalhar às 09h00 em Lisboa? Quem é que quer viver em Gaia, trabalhar no Porto e ter de passar a Ponte da Arrábida? A questão das periferias tem sempre a ver com a questão da mobilidade. Se estas duas medidas estiverem conjugadas, que têm a ver com mobilidade e com a construção nas periferias, com certeza que vamos dar resposta àquilo que é o problema da habitação em Portugal. Não podemos é só olhar para uma sem olhar para a outra. "A questão das periferias tem sempre a ver com a questão da mobilidade. Se estas duas medidas estiverem conjugadas, que têm a ver com mobilidade e com a construção nas periferias, com certeza que vamos dar resposta àquilo que é o problema da habitação em Portugal. Não podemos é só olhar para uma sem olhar para a outra" Respondendo à pergunta, sim, cada vez mais as periferias são uma solução, porque há mais terreno disponível e porque os fatores de construção são mais apelativos, mas o Estado tem de cumprir o seu papel. E o papel é efetivamente este, não é o de ser regulador ou excessivamente regulador. É poder atuar onde é necessário, nomeadamente neste caso da mobilidade. Se atuar aqui de certeza que vai facilitar a construção e vai estar indiretamente a atuar nos preços. Temos de olhar, mais uma vez o digo, a longo prazo e de forma integrada, porque se olharmos a curto prazo e de forma isolada nunca teremos bons resultados. Há muito que se fala na necessidade de se apostar, também, na profissionalização do setor da mediação imobiliária e do papel do consultor imobiliário. Qual a sua visão sobre este tema? Na ERA, os profissionais imobiliários são verdadeiramente profissionais. Quando um consultor imobiliário trabalha connosco, estou a falar da grande maioria, trabalha só connosco, tem esta atividade. É formado de forma muitíssimo rigorosa. Fomos a primeira empresa em Portugal a ter uma academia do consultor imobiliário, onde são dados cursos de formação. Levamos o papel do consultor e da profissionalização muito a sério. Agora, se me diz que o importante é ter um papel ou fazer um exame… é importante, mas é importante, acima de tudo, assegurar que estas pessoas que façam um exame e tenham um papel possam depois, naquilo que é a sua continuidade na atividade, ser formadas e acompanhadas, que tenham ferramentas, de forma a prestar o melhor serviço aos clientes. É claro que alguém que trabalha como cabeleireiro, sem qualquer desprimor à profissão, durante o dia e vende casas ao final da tarde e à noite, com certeza que o seu trabalho não será tão completo ou profissional como alguém que se dedica inteiramente a esta atividade. Isso para nós é uma bandeira desde sempre. Fonte: Casas nas periferias? “Está sempre ligado a questões de mobilidade” — idealista/news Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado